Faz um tempo que não publico um conto novo de minha autoria aqui no blog, porém chegou a hora!!
O conto que estou postando é intitulado "Amaldiçoados".
Faz exatamente um ano que o escrevi para enviar para uma seleção de contos de uma editora nova, porém a mesma nunca apresentou o resultado da seleção, e sequer alguma outra notícia, por isso, depois de tanto tempo, decide postar para vocês lerem.
Peço por gentileza que não utilize em sites, blogs ou impressos o conto sem minha permissão.
Espero que gostem!!
Quem quiser, me siga no twitter: www.twitter.com/kamposss
No início era apenas meu inimigo, logo tornou-se meu alimento!
Kampos
A noite era plena e pela sua experiência tinha total noção de que aquele
horário não era o melhor para caçar, na verdade, ia contra a primeira regra que
aprendera: “Assim como a noite é dominada por eles, o dia a nós pertence”.
Mas hoje era diferente, não poderia
esperar, e nem mesmo queria aguardar o amanhecer para ai sim encontrar e
eliminá-los no momento em que estivessem mais vulneráveis... Tinha que ser está
noite de qualquer jeito!
Sabia aonde ir, onde estavam seus
alvos, e pouco importava outros da mesma laia, iria focar naquelas criaturas em
especial.
Subia rapidamente pela rua com
passos firmes, convictos e sem demonstrar mínimo cansaço pelo esforço.
Estava acostumado e preparado
para aquilo. Era um caçador nato, algo passado como herança, seguia gerações.
Seu pai fez questão de iniciar sua preparação desde cedo. Muito rígido, sempre
cobrava por total disciplina e atenção e não havia um só dia que não o
lembrasse das regras e de suas responsabilidades como futuro caçador. Sua infância
foi em meio a livros teóricos de caça e técnicas de combate.
Eram considerados os bonzinhos da
história, mas se presenciassem o momento derradeiro do confronto, muitos
ficariam na dúvida para quem torcer. Não podiam ter piedade, compaixão, e nem mesmo
um segundo de hesitação. Assim como os monstros que caçavam, deveriam ser
impiedosos, brutos, e ter como objetivo apenas eliminar e nada mais.
Os anos intermináveis de caça o
deixaram frio, com aparência desgastada, cansada, nem mesmo aparentava ter apenas
trinta e quatro anos, mas era sua missão e por mais sacrificante que fosse não
abria mão de cumpri-la sempre que necessário.
Para muitos, ele e vários como
ele, não existiam, eram figuras imagináveis, assim como os seus alvos, as
criaturas que não vivem, mas que também não estão mortas, que caminham pela
noite aterrorizando com seus longos caninos e que almejam apenas uma coisa, o
sangue de suas vítimas, chamados por alguns de sanguessugas, porém mais
popularmente conhecidos como os lendários vampiros.
Sua mãe nunca soube da identidade
de caçador do marido, e muito menos imaginava que o próprio filho era preparado
para assumir seu lugar anos depois. Está era mais uma regra imposta para
aqueles como ele e que seu pai fazia questão de adverti-lo. Não deveriam nunca
revelar a identidade de caçador, nem mesmo para a própria família, apenas para
o primogênito que assumiria a posição. Talvez por isso a maioria se tornava
solitário, se fechando, suprimindo as próprias emoções, e só possuindo o desejo
de concluir seus deveres.
Assim como existiam tais criaturas, existiam seus
caçadores, e ele fazia parte deste seleto grupo. Não era tarefa para qualquer
um, e muito menos um fardo fácil de ser carregado. Nascera já predestinado para
isso, com uma missão já traçada e um destino a cumprir. Desde crianças, todos
os futuros caçadores são treinados a acreditarem e a encararem tais monstros
que usam de suas feições humanas, e muitas vezes, de pura inocência para ludibriarem
e assim dar o bote fatal. Não eram poucas as histórias que crescera ouvindo de
corajosos caçadores experientes que sucumbiram aos truques ardilosos desses
seres da escuridão.
Com dezesseis anos foi colocado
frente a frente com uma criatura. Seu próprio pai, seu tutor e maior exemplo,
elaborou a armadilha para que o filho enfim provasse seu valor. Deveria mostrar
que estava pronto para assumir seu lugar algum dia. Tremeu, pensou em fugir, e
quis chorar frente ao perigo, porém, conteve-se e recusou a demonstrar fraqueza
diante do olhar de seu pai, de quem almejava por aprovação. Graças ao
treinamento desde muito novo, superou o desafio e pela primeira vez teve
certeza que deixara seu pai orgulhoso. Dois anos mais tarde quis o destino que
seu pai falecesse, mas não antes que, no leito de morte, passasse a tarefa oficialmente
para o filho. A partir daquele mórbido momento tornava-se o novo caçador e foi
obrigado a prometer que continuaria a linhagem de caçadores da família, e que seu
futuro neto seria colocado em treinamento logo cedo para um dia assumir também
seu lugar.
Seu pai sempre deixou claro que nunca
deveria baixar a guarda ou por um instante acreditar que aquelas criaturas
ainda eram humanas. A imagem era apenas uma carcaça que camuflava o verdadeiro
demônio. Depois de sua morte, em toda caçada tinha certeza de que seu pai
estava ao seu lado, gritando, advertindo e chamando sua atenção.
Tantas passagens do passado
cruzavam por sua mente enquanto caminhava que nem reparara com que rapidez se
aproximava da residência. Deveria ir com maior cautela a partir dali. Não
queria chamar a atenção.
Já avistava a casa no final da
rua. E em sua mente, escutava a voz de seu pai o obrigando a repassar
exaustivamente todas as regras que deveria seguir. “Atenção”, “frieza” e “foco”
eram palavras muito presentes em sua vida de caçador. Por mais que fizera isso
centenas de vezes, sentia naquele momento seu coração disparar. Isso não era
bom.
Não poderia deixar transparecer
qualquer emoção, deveria ser como uma rocha, senão daria brecha para seus
inimigos, mostraria fraqueza e um ponto a ser explorado contra ele.
Parou por um instante assim que
pisou no gramado da frente da residência. Primeiro olhou para os dois lados. A
rua estava deserta. Nenhuma alma viva, nenhum ser morto à vista. Em seguida,
observou a construção de dois andares. Aparentemente uma casa normal, fachada
branca, de médio porte, mas o que importava mesmo estava em seu interior,
criaturas da noite que espreitavam a espera de uma vítima.
Caminhou até a porta de entrada.
Bem devagar girou a maçaneta evitando assim qualquer rangido. A mesma foi
aberta vagarosamente.
Retirou da cintura uma espada
brilhante, longa e afiada, pura prata. Lâmina lendária que assim como sua
missão também passara pelas mãos de seus antepassados, e com certeza também
pelo pescoço de diversos sanguessugas durante os séculos. Tal arma era mais
eficaz para a missão daquele momento. Se os vampiros estivessem em repouso, a
estaca e um martelo seriam úteis, porém, despertos e prontos para um combate, a
espada lhe daria maiores vantagens.
Olhou com atenção todo o ambiente
da sala. Tudo revirado, destruído. TV jogada em um canto, sofá tombado e cacos
de vidros para todos os lados. Não era mais uma casa habitável. Agora era
simplesmente um covil. Ambiente em total breu, e como já imaginava, as lâmpadas
todas foram destruídas. Tinha um ponto que o ajudava. Conhecia bem o local,
sabia onde ficava a cozinha, os dois quartos e os banheiros.
Silêncio... Nenhum som de passos,
nada, mas tinha certeza que estavam ali, e deveria se comportar como eles,
silencioso, escondendo o máximo de sua presença.
Encontraria naquela residência
pelo menos dois vampiros, e esperava que mais nenhum.
Quando pensou em caminhar em
direção a cozinha, uma voz surgiu do nada.
- Pensei que
não viria nos visitar.
Há muito tempo não sentia o gelo em seu estômago como no momento em que
ouvira tal voz feminina. Olhou em direção de onde possivelmente viria o som. Percebeu,
pelo canto dos olhos, o vulto que cruzara a porta que dava para o corredor.
Apertou com firmeza a espada em sua mão e caminhou em direção que ocorrera o movimento.
Eles já sabiam que estava ali, não tinha mais volta, deveria ir até o fim.
Em posição, perto do batente,
estava pronto para espiar o corredor com a espada erguida caso necessitasse,
mas sabia como tais criaturas eram traiçoeiras e já esperava pelo que ocorreria
e, por isso teve tempo de saltar em direção ao sofá antes que o vulto maligno o
pegasse pelas costas. Virou-se rapidamente com a espada pronta para o ataque,
apenas a tempo de ver o alvo sumir mais uma vez. Fora em direção à escada que
levava para o segundo andar. Sem pensar, e buscando manter sua mente focada
apenas no que deveria fazer, saiu em disparada atrás do inimigo.
A respiração ofegante deixava
claro que estava nervoso, não gostava da situação. Ele, que já se vira em
apuros e em circunstâncias bem piores, pela primeira vez, temia o desfecho,
temia pelo o que viria.
- Você me quer... Venha me pegar! – A voz feminina provocava, e ria em seguida. Brincava
com o seu caçador e ele sabia que tudo isso não passava de um jogo sádico em
busca de atraí-lo para onde ela queria, para enfim consumi-lo.
No segundo andar, apenas dois quartos e um banheiro. Sabia exatamente para
onde se dirigir. Iria para o aposento principal, que assim como o resto da
casa, provavelmente estava bagunçado e destruído. Chegou devagar à porta, já
não se importando mais com o que aprendera, não tomando os devidos cuidados.
Ouvir aquela voz o desestabilizou. Era em momentos de distração como este que
seu pai sempre lhe chamava a atenção. “Concentração é tudo”, ele dizia. Na
porta deparou-se com a imagem de uma bela mulher, de camisola branca, deitada
em uma cama de casal.
- Estava me procurando? Estou aqui, meu querido. Venha... Deite-se
comigo... Sei que você quer. – O seduzia com um sorriso malicioso em seus
lábios enquanto lentamente se levantava e começava a se despir de sua camisola
revelando um corpo escultural, com curvas e extremamente desejável.
Ela era linda. Mesmo com a pele pálida e o olhar frio e sem vida provocados
por sua nova condição, ela ainda mantinha a beleza que sempre possuíra.
- Venha! Me possua! – Dizia, com voz mansa, convidativa, e caminhando em
sua direção totalmente nua.
Sentiu o momento em que a
primeira gota de suor desceu por seu rosto. Indício que aquela situação mexia
demasiadamente com sua razão. Como se não tivesse controle do próprio corpo,
caminhava em direção a vampira. A espada não mais erguida e pronta para decapitar,
mas sim com sua ponta voltada ao chão, sua guarda estava aberta.
- Venha... Venha...
Cada vez mais próximos ele já conseguia sentir o doce cheiro de sua pele
e contemplar os detalhes dos cachos que se formavam nas pontas de seus longos e
belos cabelos loiros.
De frente, um olhando para o
outro, o caçador parecia não ter mais defesas. A encarava somente e ela se
aproximava cada vez mais e o sorriso só aumentava. Seus olhos brilhavam e a
cabeça já pendia para o pescoço daquele que deveria caçá-la. Próxima de
mordê-lo, a vampira não resistiu e sussurrou ao seu ouvido:
- Não há mais salvação... Estamos condenados
mesmo.
Essa frase o tirou do transe como um despertador que nos salva de um
pesadelo terrível ou como os tapas que levava de seu pai cada vez que caia no
sono durante os exaustivos exercícios de concentração. Arregalando os olhos e
respirando fundo enquanto ouvia em sua mente as várias advertências de seu
severo pai quanto a manter o foco e atenção, segurou a mulher por um dos braços
a afastando por alguns centímetros evitando assim que os caninos já aparentes
cravassem em seu pescoço, e de forma ágil e hábil, ergueu sua espada, e antes
que seus pensamentos o confundissem mais, atravessou o peito da criatura com
força, na altura de seu coração. A mesma emitiu um grito horrendo arregalando
os olhos, e a feição começara a queimar, o corpo perdia forças para se manter
erguido por si só, e enquanto o homem a segurava ainda pelo braço via a mulher
de beleza tão intensa se desfazendo, soltando pedaços da pele, carne, sangue e
ossos, se decompondo em uma massa avermelhada e fedorenta. A respiração do
caçador era forte e rápida, e quando pensara em dizer algo diante do fim da
vampira teve sua atenção chamada para a porta do quarto. Um pequeno vulto,
parado, o encarava. Para os olhos de um leigo era apenas uma criança, um garoto
que talvez acordara com os sons do quarto ao lado, porém, para os olhos de um
caçador, era um monstro sedento por sangue e que se apossara de um ser inocente
e infantil.
O corpo da mulher se desfez
totalmente ficando apenas uma poça de gosma que exalava um cheiro podre. O
homem que até então contemplava o fim da sanguessuga virou e encarou de frente a
pequena figura.
- Por que fez isso? – A voz era de criança, mas era perceptível algo
maligno nas palavras.
- Foi preciso. – A resposta saiu sincera de sua boca, com emoção.
Ambos continuaram parados, se encarando por algum tempo.
- E agora? – Perguntou o pequeno, quebrando o silêncio que pesava.
- Agora, infelizmente é a sua vez.
Um, no máximo dois segundos, se passaram e enfim um movimento. A
criança-vampira em um gesto rápido e emitindo um som animalesco enfim mostrou o
que realmente era saltando para cima do caçador que pode ver nos olhos daquela
frágil imagem infantil que ali não mais habitava uma alma pura e inocente, mas sim
um demônio de presas e olhar de fogo. Talvez se não encarasse tal verdade não
teria coragem de fazer o necessário, mas o fez. Com um movimento incrivelmente
rápido, que treinara dias após dias desde o início de sua preparação, cruzou a
lâmina de prata de sua espada da esquerda para direita no alto, cortando o ar, e
decepando a cabeça daquele garotinho, que caiu ao chão, estrebuchando, enquanto
sua cabeça rolava para perto do que antes fora a criatura adulta. Enquanto seu
corpo se desfazia, o caçador encarava o que ocorria quase sem piscar. No chão o
fim de dois vampiros. Em sua mente ouvia as congratulações de seu pai que
sempre foram raras e por isso dava tanto valor a elas. Aproximou-se do corpo já
se desfazendo. Soltou a espada e ajoelhou, erguendo o corpinho em seus braços, olhando
fixo, e pela primeira vez não se conteve e chorou em uma caçada.
Lembrava de mais uma regra que
seu pai fazia questão de sempre deixar bem clara: “Depois que é condenado a se
tornar uma criatura da escuridão, nunca mais voltará a ser o que foi em vida,
não espere por um milagre”.
A caçada fora sucedida, mas
sentia que fracassara. Na verdade, tinha certeza. Sim... Fracassara ao deixar
que isso ocorresse. Chorando, desabafou:
- Perdão... Perdão por deixar isso acontecer a vocês, mas agora suas
almas poderão descansar em
paz... Meu filho. – Abraçou forte o que ainda restava de
sólido, sujando todo seu peito com o sangue que escorria por todas as partes do
corpo em decomposição.
A casa que um
dia servira de morada para uma bela família, um casal com seu único filho de
sete anos, agora era o mesmo local que enegrecido pela noite, e tomado pelo
mal, abrigava o fim derradeiro para aqueles moradores.
Culpava-se por deixar sua bela
mulher cair nas mãos de um vampiro, que apenas pelo deleite de vê-lo sofrer, a
levou para as trevas, mesmo a coitada nunca sabendo que ele era um caçador.
Lamentava-se por não seguir a promessa feita ao pai em seu leito de morte, e
não treinar o filho para o momento que fosse necessário. Temia tornar-se frio e
rígido com o garoto assim como seu pai fora com ele. Queria dar ao primogênito
o que nunca teve, uma vida normal, o direito de ser uma criança como as outras.
Mas arrependia-se amargamente naquele momento por tal decisão. Talvez, se o
pequenino soubesse o que estava para acontecer, faria algo para evitar, estaria
preparado.
Chorando, ouvia em sua mente o seu
pai dizendo: “Tanto o vampiro quanto o caçador são seres amaldiçoados. Um por
ser dominado pelo mal e o outro por ser obrigado a sacrificar sua vida para caçá-los.
E como todo amaldiçoado, ambos só se verão livres de tal tormento quando chegar
ao fim de suas próprias existências”.
Seu pai estava certo, e mais que
certo, como sempre. Diante do que um dia fora sua família, o homem, mais que
fragilizado, com sua expressão cansada e as lágrimas escorrendo em abundância,
ergueu a espada mais uma vez, já com sua lâmina suja do sangue das pessoas mais
importantes de sua vida, e levou até a altura do próprio pescoço.
- Logo estarei com vocês, meus anjos. – Brotou um singelo sorriso.
Em um movimento rápido, a lâmina cruzou horizontalmente seu pescoço. Quase
que instantâneo, caiu chocando a face contra o chão. Rapidamente, uma poça de
sangue formou sob seu corpo e não demorou a falecer.
Um silêncio tenebroso tomou todo
o local.
Enfim, livrara sua família do
mal...
Enfim, estava livre de sua própria maldição.
Fim